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terça-feira, 27 de dezembro de 2022

Então, é Natal?


    Neste Natal vi algumas postagens associando a celebração do Natal com um conjunto de mitos pagãos e à divindade Mitra ou Deus Sol; e resolvi pesquisar um pouco (bem pouquinho) a respeito. Basta um pouco de boa vontade para perceber que estas associações são enganosas, ou mesmo, de má fé.

    Não, não critique ainda. Vamos verificar alguns fatos para admitir a consistência destas postagens.

    Logo de início estas postagens identificam o deus Mitra como o deus Sol Invicto. 


    Na verdade, Mitra está associada a divindade do sol, mas originalmente distinta dele, a princípio, como senhor dos elementos; e somente por volta do século V a.C. sob a forma definitiva do deus solar. Neste ponto não existe entendimento entre os pesquisadores, sendo esta teoria a mais aceita. Era associado ao deus grego Hélio.


    Também era associado ao deus Marte, deus da guerra e da carnificina, mas principalmente da agricultura, colheita, dos campos, da vegetação, sendo assim, sempre relacionado com a fertilidade. Também era um deus do trabalho manual e confeccionador de armas. Pensa-se que Marte trata-se de um reflexo do deus proto-indo-europeu Perkwunos, que também produziu o Thor nórdico. Ou seja, existe uma confusão entre os deuses Mitra, Marte e Thor; representados cada um em uma região, mas com os mesmos atributos.


    Em seguida, as postagens informam que Mitra nasceu de uma virgem.


    Não há nenhuma fonte que afirme tal coisa. Na mitologia indo-iraniana (original - divindade zoroastrista (yazata)) Mitra nasceu perto de uma fonte sagrada, debaixo de uma árvore sagrada, a partir de uma rocha (a petra generatrix; Mitra é, por isso, denominado de petra natus). 


    Logo após, diz que ele foi visitado por reis magos e adorado por pastores.


Mitologia  indo-ariana
Mitra - divindade da sabedoria
    Trata-se de pura especulação, sem base histórica que a sustente; afirma Joelza Ester Domingues, historiadora, pesquisadora e assessora de conteúdo da BNCC. Nesta linha de pensamento, afirma-se que no mitraísmo, haveria prática de acender velas, tocar sinos, cantar hinos e praticar uma refeição ritual de pão e vinho. Mitra seria filho do deus supremo Ahura-Mazda e de uma mulher mortal, assim como Cristo, possuindo uma origem paterna divina e uma origem materna humana. Não há qualquer evidência que confirme qualquer uma destas especulações.


     Afirmam ainda que Mitra morreu em cima de uma pedra e ressuscitou no terceiro dia.

    

    Especulam que Mitra teve doze discípulos, foi “crucificado”, ressuscitou no terceiro dia e prometeu retornar no juízo final. Também não há qualquer evidência que confirme qualquer uma destas especulações. Na verdade, na ritualística romana, Mitra sacrifica um touro em cima de uma pedra; a morte do touro representaria a Lua; e compartilha um banquete com o deus Sol (o Sol Invicto), mais uma prova de que Mitra e Sol (Hélio) são duas divindades distintas.


    Sabe-se ainda que, a maioria das evidências apontam que o Mitraismo veio no segundo, terceiro e quarto século depois de Cristo.


    Nesta mesma postagem, é possível identificar uma mistura da mitologia de Mitra com a mitologia de Hórus. Vejam só:

Mitologia egípcia
Hórus - deus dos céus e dos vivos

    Dizem que, na mitologia egípcia, Hórus nasceu de Isis, uma virgem, no dia 25 de Dezembro, tinha um pai chamado Seb; que é traduzido para José; foi batizado por Anup Batista, tinha 12 discípulos, foi crucificado e ressuscitou depois de três dias.    

O primeiro erro é que as fontes antigas relatam que Ísis não era virgem e era casada com Osíris; e acredita-se que Hórus nasceu no mês de Khoiak (Novembro). Falaremos disso mais adiante.


    Seb era o deus egípcio da terra e Anup Batista (uma invenção de Gerald Massey) é desconhecido pelos egiptólogos , além disso, a única referência de discipulado de Hórus diz que ele tinha 4 discípulos. Não foi crucificado. Osíris foi traído e morto por seu irmão Seth […] e depois Isis junta seus pedaços para que ele fosse a primeira múmia e ressuscitasse.

Quanto a Mitra, além de ser confundido com Hélio, Marte e Hórus, também deu origem (talvez) ao buda Maitreya, que em sânscrito significa "o amistoso".


Budismo
Maitreia ou Maitria (Buda)
    Concluem afirmando que o dia 25 de dezembro era o dia de adoração ao deus sol, que foi incorporado no culto cristão.


    Na verdade, foi o contrário, já que a festividade pagã do “Nascimento do Sol Invicto”, foi instituída pelo imperador Aureliano em 25 de dezembro de 274; em uma data que já gozava de certa importância para os cristãos romanos. è pois, mais um mito sem fundamento histórico.


    Existiam dois templos do sol em Roma. Um deles celebrava sua festividade de consagração em 9 de agosto; e o outro, em 28 de agosto; e nenhum destes cultos tinham festivais relacionados com solstícios ou equinócios.


    Finalizo este pequeno ensaio com mais algumas informações pertinentes.


    Existia uma crença entre os cristãos convertidos do judaísmo de que os grandes profetas morreram na mesma data em que haviam sido concebidos. Pela diversidade dos calendários judeus e romanos, chegou-se à conclusão que Cristo morto num 25 de março ou num 6 de abril, em plena Páscoa judaica. Tendo sido concebido em uma destas datas, mais nove meses de gestação, seu nascimento seria 25 de dezembro ou 6 de janeiro. Esta data foi estabelecida por Sexto Júlio Africano, escritor cristão, no ano de 221 d.c. meio-século antes de Aureliano ter criado a festa do Sol invicto.


    Outras pesquisas também confirmam que muito daquilo que se atribui aos mitos “mais antigos” do que o Cristianismo não possuem confirmação histórica; e tantas outras são completas adulterações tardias dos mitos antigos. Veja alguns exemplos:

  
Mitologia
Amuleto de Orfeu
  • Baco Dionísio transformando água em vinho vem de um documento do segundo século;

  • O amuleto chamado O Amuleto de Orfeu, que supostamente mostra Dionísio crucificado, é uma fraude criada no século XX;

  • Dizem que Krishna era chamada de Jezeus por seus discípulos. Comprovadamente uma fraude moderna;

  • A ressurreição de Attis vem de muito depois do primeiro século;

  • Adônis também vem de mais de cem anos depois de Jesus.


    Todo homem tem o direito de acreditar naquilo que melhor lhe convier, mas é preciso um pouco de atenção para não difundir inverdades e falsos conceitos sobre qualquer tema.


    Feliz natal e um próspero ano novo!


Presépio




Fontes:


ALVES, Leonardo Marcondes. O culto de Mitra e sua pesquisa acadêmica. Ensaios e notas, 2018. 


CLAUSS, Manfred. The Roman Cult of Mithras: The God and His Mysteries. Edinburgh, 2000.


DOMINGUES, Joelza Ester. Mitra, o Sol Invicto e o nascimento de Jesus, 2022. Disponível em https://ensinarhistoria.com.br. Acesso em 27 de Dezembro de 2022.


ELIADE, Mircea; COULINO, Ioan P. Dicionário das religiões. São Paulo: Martins Fontes, 1995.


JOSEPH, Campbell. As máscaras de Deus: mitologia ocidental, tradução de Carmen Fischer. São Paulo: Palas Athena, 2004.


SPALDING, Tassilo Orpheu. Dicionário de Mitologia germânica, eslava, persa, indiana, chinesa, japonesa. São Paulo: Cultrix, 1980. 



TALLEY, Thomas J. , The Origins of the Liturgical Year. Liturgical Press, 1991. Disponível em https://institutosantoatanasio.org/. Acesso em 28 de Dezembro de 2022.


WILKINSON, P. O livro ilustrado da mitologia: lendas e histórias fabulosas sobre grandes heróis e deuses do mundo inteiro. São Paulo. Publifolha. 2002.