Em nós, até a cor é um defeito.
Um imperdoável mal de nascença,
o estigma de um crime.
Mas nossos críticos se esquecem
que essa cor, é a origem da riqueza
de milhares de ladrões que nos
insultam; que essa cor convencional
da escravidão tão semelhante
à da terra, abriga sob sua superfície
escura, vulcões, onde arde
o fogo sagrado da liberdade.
(Luiz Gama)
O baiano Luís Gonzaga Pinto da Gama nasceu na cidade de Salvador-BA
de 1830. Filho de Luíza Mahin, negra livre, vinda da Costa da Mina (Nagô de
Nação), pagã, que sempre recusou o batismo e a doutrina cristã. Era baixa de
estatura, magra e bonita. Sua cor era de um preto retinto e sem lustro, tinha
os dentes alvíssimos como a neve, era muito altiva, insofrida e vingativa.
Luíza ganhava a vida fazendo quitandas; muito laboriosa, foi presa como
suspeita de envolver-se em planos de insurreições de escravos. Em 1837, depois
da Revolução “Sabinada”, veio ao Rio de Janeiro e nunca mais voltou. Seu pai,
era um fidalgo português; homem de posses, apaixonado pela pesca, pela caça, apreciador
de bons cavalos; jogava bem as armas, e muito melhor de baralho, amava as
súcias e os divertimentos: esbanjou uma boa herança, obtida de uma tia em 1836
(ou 1838); e reduzido a pobreza extrema em pouco tempo. Em novembro de 1838, quando estava com apenas dez anos de
idade, Luís foi vendido pelo próprio pai como escravo para quitar uma dívida de
jogo.
Foi levado a bordo do navio “Saraiva”, e dias depois, ao
desembarcar no Rio de Janeiro, foi levado para a casa de um negociante
português. No mês seguinte, foi novamente vendido, junto com um lote de “cento
e tantos escravos”, ao “negociante e contrabandista” Antônio Pereira Cardoso,
que os levou para São Paulo. Os escravos vindos da Bahia eram tidos como
“desordeiros” e “revolucionários”, devido ao marco histórico que foi a Revolta
dos Malês, ocorrida em Salvador em 1835, da qual a mãe de Gama, Luiza Mahin,
teria participado. Sendo assim, permaneceu na casa do senhor Cardoso, onde foi
encarregado dos serviços domésticos, tendo aprendido com outro escravo, também
baiano, o ofício de sapateiro. Contrariando o destino imposto pela escravidão,
Luiz Gama foi o primeiro e único escravo brasileiro a conquistar a própria
liberdade.
Luiz Gama só foi alfabetizado aos 17 anos, por um hóspede
que viera de Campinas para a capital, com o objetivo de estudar.
Em 1848, Gama fugiu da casa de seus senhores, e tendo
conseguido documentos que confirmavam a sua liberdade. Já em 1850 tentou
frequentar o curso de Direito, na Faculdade do Largo de São Francisco mas foi
hostilizado, permanecendo como ouvinte, resignou-se a frequentar a biblioteca e
tornou-se advogado autodidata.
"Foi o maior advogado da história do Brasil, por
conta de sua trajetória, de seu brilhantismo. Era um sujeito que demonstrava
capacidade e manejo da tecnicalidade do Direito que são impressionantes até
hoje", elogia o jurista Silvio Luiz de Almeida, presidente do Instituto
Luiz Gama e professor de Direito da Universidade Presbiteriana Mackenzie.
Sua luta vai além do combate à escravidão; abrangendo a proteção
da liberdade do indivíduo. Com sua oratória impecável – segundo relatos -,
lutou e ganhou a causa da libertação de mais de 500 escravos, sem cobrar
nada em solidariedade aos clientes.
“Eu advogo de graça, por dedicação sincera à causa dos
desgraçados; não pretendo lucros, não temo represálias”. (Correio Paulistano,
20 de nov. de 1869).
Lutou nas cortes provincianas para estabelecer o
princípio de que todos os escravos ingressos no país após a proibição do
tráfico negreiro, em 1850, eram livres por lei. Considerava legítima a defesa
dos crimes cometidos por escravos contra seus senhores. Mesmo debilitado pela
doença, saía carregado em uma maca, para atender seus clientes desejosos da
liberdade.
O ex-ministro da Justiça Miguel Reale Júnior define o
ex-escravo como "o negro mais importante do século 19".
Foi soldado da força pública durante seis anos e nesse
período trabalhava como copista para o Major Benedito Antônio Coelho Neto. Em
1854, ficou preso por 39 dias por ato de insubordinação porque ameaçou “um
oficial insolente” que lhe insultara.
Em 1856, foi nomeado amanuense da Secretaria da Polícia
(escrivão), até 1868, quando foi demitido por “bem do serviço público”. Ele
fundou dois jornais que circularam na época: primeiro o Diabo Coxo, de 1864, e
dois anos mais tarde o Cabrião.
Em 1859, aos 29 anos, já era autor consagrado. Aprendiz
de tipógrafo do jornal O Ipiranga, em 1869 fundou o jornal liberal “O Radical
Paulistano”, no qual expunha e denunciava sentenças equivocadas e erros de
juízes conservadores e corruptos. Foi ainda responsável pela redação de “O
Polichinelo” – primeiro periódico político satírico da cidade de São Paulo. Ocupou
funções de tipógrafo e de redator. Também se atreveu a escrever e publicar
versos, muitos deles abolicionistas. Usava pseudônimos, como Getúlio, Getulino
e Barrabaz.
Gama tornou-se o primeiro escritor brasileiro a assumir
explicitamente sua identidade negra, sendo assim o fundador da literatura de
militância dos negros no Brasil.
Sua primeira biografia ter sido publicada no Almanaque
Literário de São Paulo com Gama ainda vivo. O texto foi assinado por Lúcio de
Mendonça, jornalista, escritor e fundador da Academia Brasileira de Letras.
Luiz Gama faleceu em 24 de agosto de 1882, aos 52 anos devido
a complicações do diabetes. sendo sepultado no Cemitério da Consolação diante
de um cortejo de 3 mil pessoas. Na época, São Paulo tinha 40 mil habitantes.
Túmulo no Cemitério da Consolação-SP Rua 12 - Terreno 17 |
Em seguida à Abolição, foi fundada pelo maçom paulistano
Góes e colaboração de irmãos das lojas Trabalho e Ordem e Progresso a Loja Luís
Gama, com a iniciação de 25 negros. Sua memória é celebrada por associações
negras e pela maçonaria, que garantiu que o nome Gama batizasse ruas e avenidas
pelo Brasil.
HOMENAGENS
- Em sua homenagem, em 1919, a Estrada de Ferro Sorocabana (atual FEPASA) nomeou uma de suas estações.
- 1930 - Um busto é erguido à sua memória no Largo do Arouche, em São Paulo
- Em 2015, 133 anos após a sua morte, Luis Gama recebeu da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) o título de advogado.
- Em janeiro de 2018, seu nome entrou para o Livro dos Heróis da Pátria.
- Maio de 2018 foi inaugurada, no Auditório Wladimir Herzog, uma placa de honra ao mérito com o objetivo de assinalar o reconhecimento de Luiz Gama como jornalista atuante em São Paulo.
PUBLICAÇÕES
Obra individual
- Primeiras trovas burlescas de Getulino. São Paulo:
Tipografia Dois de Dezembro, 1859. (Baixe aqui em PDF – Domínio Público)
- “Com A Palavra: Luiz Gama” reúne poemas, artigos,
cartas e escritos diversos do advogado.
ANTOLOGIAS
- A razão da chama: antologia de poetas negros brasileiros.
Organização de Oswaldo de Camargo. São Paulo: GRD, 1986.
- O negro em versos: antologia da poesia negra
brasileira. Organização de Luiz Carlos Santos, Maria Galas e Ulisses Tavares.
São Paulo: Moderna, 2005.
- Antologia de poesia afro-brasileira: 150 anos de
consciência negra no Brasil. Organização de Zilá Bernd. Belo Horizonte: Mazza
edições, 2011.
- Literatura e afrodescendência no Brasil: antologia crítica. Vol.
1, Precursores. Organização de Eduardo de Assis Duarte. Belo Horizonte: Editora
UFMG, 2011.
TEXTOS
CRÍTICA
Fontes:
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