Nossa Senhora dos Destoantes
Os sinos da Capela do Padre Faria não soam nem melhor nem pior do que os outros, mas têm uma história diferente de todos.
por Luis Fernando Veríssimo
A pequena Capela de Nossa Senhora do Rosário do Padre Faria é uma
das tantas joias arquitetônicas de Ouro Preto. O exterior despojado não
prepara o visitante para a opulência barroca do interior. O campanário
fica afastado do corpo da igreja, como a “casinha” numa morada sem
banheiro, e nada tem de imponente. Os sinos da Capela de Padre Faria
badalam em concerto com os outros sinos da região, cantando as horas e
os eventos, e não soam nem melhor nem pior do que os outros. Mas os
sinos da Capela do Padre Faria têm uma história diferente dos outros.
Quando Joaquim José da Silva Xavier - Tiradentes - foi enforcado e esquartejado no Rio de Janeiro
todos os outros sinos celebraram a notícia. Afinal, tratava-se da
execução de um traidor, de um inimigo da sociedade. Os sinos de Ouro
Preto festejaram o castigo exemplar de um réprobo e o triunfo da
legalidade sobre a rebeldia. Mesmo que o toque festivo não tivesse sido
recomendado pela Coroa, a celebração se justificaria. Mas os sinos da
Capela do Padre Faria dobraram Finados. Pela primeira e única vez na
história, talvez, os sinos da Capela do Padre Faria destoaram do
concerto. Tocaram, sozinhos, uma batida fúnebre pelo martírio de
Tiradentes.
Não conheço bem a história e não sei o que motivou as badaladas
subversivas. Um pedido de secretos simpatizantes da Inconfidência?
Apenas uma manifestação de piedade cristã? Um sineiro bêbado? Não sei.
Minha tese preferida é que alguém responsável pelos sinos teve um
vislumbre histórico. Teve a presciência que ninguém mais teve e ordenou o
toque plangente, em homenagem precoce ao futuro herói e pelo ocaso do
poder colonial que seu sacrifício desencadearia.
Nossa Senhora do Rosário serviria como padroeira, não
necessariamente de quem consegue adivinhar a História, mas de quem
entende o momento que está vivendo ou destoa da maioria, com ou sem
razão. Destoantes deveriam ir regularmente em romaria à pequena capela e
pedir a bênção dessa Nossa Senhora do Contexto Maior, para melhor poder
enfrentara a maioria que badala o que não tem importância e o fato
errado e menospreza qualquer batida diferente.
Os outros sineiros de Ouro Preto não tinham como saber que estavam
festejando a morte de um herói. Faltava-lhes a perspectiva histórica
para entender o momento e só cumpriram o que se esperava deles. Estão
perdoados. Mas que nos sirvam de lição.