O cais do Valongo e o Cemitério dos Pretos Novos na cidade do Rio de janeiro é uma parte da história que não podemos ignorar, esquecer ou apagar. São relatos de uma época desumana.
Com a descoberta (?!?!) de uma nova terra, o comércio de escravos passou a ser parte fundamental da economia, e este comércio é base de nossa nação. Com a criação da cidade do Rio de Janeiro, seu porto passou a ser o principal local de desembarque e comercio de escravos.
Até meados da década de 1770, os escravizados desembarcavam na Praia do Peixe (hoje Praça XV), e eram negociados na Rua Direita (hoje Rua 1º de Março), no centro do Rio de Janeiro. Na praia do Peixe, vários “escravos de ganho” comiam angu preparado em algumas casa da região e vendido pelas Anguzeiras ao custo de 1 vintém a colherada. Daí a origem do nome Zungú – da língua do Congo – Nizi Angu ou casa de angu - usada pelos escravos para designar esta região da cidade.
Em 1774, Marquês de Lavradio, Dom Luís de Almeida Portugal Soares de Alarcão d'Eça e Melo Silva Mascarenhas, vice-rei do Brasil, alarmado com "o terrível costume de tão logo os pretos desembarcarem no porto vindos da costa africana, entrarem na cidade através das principais vias públicas, não apenas carregados de inúmeras doenças, mas nus", estabeleceu a transferência desse mercado para a região do Valongo; que era desabitada na época e o acesso era difícil, com isso, o aumento do tráfego ficava mais escondido do resto da cidade.
O mercado foi transferido, mas não havia o ancoradouro, e a alternativa encontrada foi desembarcar os escravizados na alfândega e imediatamente enviá-los de bote ao Valongo, de onde saltariam diretamente na praia. Com a construção do cais, o desembarque passa a ser feito diretamente no Valongo, e principalmente, longe dos olhos da aristocracia branca.
A partir de 1808 o tráfico quase dobra, acompanhando o crescimento da cidade devido a chegada da família real portuguesa após a transferência da corte para o Brasil. A cidade do Rio de Janeiro passa de 15 mil para 30 mil habitantes em aproximadamente uma década.
No fim dos anos 1820, o tráfico de escravizados para o Brasil vive o seu apogeu. O Valongo era a principal porta de entrada dos negros vindos de Angola, da África Oriental e Centro-Ocidental, entre 500 mil e um milhão de escravizados desembarcaram no cais, cerca de 40% dos escravos trazidos para as Américas. Algumas fontes dizem que foram mais de 2 milhões!!
Quando o tráfico negreiro para o Brasil foi proibido, passando a ser feito clandestinamente, nessa época o tráfego passa a acontecer no período noturno.
“Aquela região, mais do que o cais, era um complexo de escravos, que incluía o lazareto, para onde os negros que chegavam doentes iam se curar ou morrer, o Cemitério dos Pretos Novos e os armazéns de engorda e venda dos escravos, que se concentravam na Rua do Valongo, atual Rua Camerino”, diz Tânia Andrade Lima, arqueóloga do Museu Nacional que supervisionou as obras no Porto Maravilha.
Em 1843, o cais foi reformado para o desembarque da princesa Teresa Cristina de Bourbon-Duas Sicílias, que viria a se casar com o imperador D. Pedro II. Foi feito um aterro de 60 centímetros de espessura sobre o cais e o atracadouro passou então a chamar-se Cais da Imperatriz.
No início do século XX o cais foi soterrado por uma reforma urbana, mais precisamente em 1911, obra feita pelo prefeito Pereira Passos. Esta iniciativa deslocou os segregados para a periferia da cidade.
Em 2011, durante as escavações realizadas como parte das obras de revitalização da zona portuária do Rio de Janeiro, foram descobertos os dois ancoradouros sobrepostos - Valongo e Imperatriz -, e uma grande quantidade de objetos (partes de calçados, botões feitos com ossos, colares, anéis e pulseiras em piaçava) e de amuletos de culto originários do Congo, de Angola e Moçambique. Segundo o antropólogo Milton Duran, suas ruínas são os únicos vestígios materiais da chegada dos africanos nas Américas.
O Valongo possui cerca de 350 metros de comprimento, vai da Rua Coelho e Castro até a Sacadura (mapa). Entre 1850 e 1920, a área em torno do antigo cais tornou-se um espaço ocupado por negros escravizados ou libertos de diversas nações - área que Heitor dos Prazeres chamou de Pequena África. Esta foi a criação das favelas, onde os segregados sociais se reuniam em uma espécie de quilombo urbano. Foi nessa mesma área central da cidade que o samba foi sendo lapidado até se transformar no gênero musical conhecido hoje. Herança uma profunda desigualdade social entre brancos e negros e um racismo estrutural nem sempre reconhecido.
Recebeu o título de Patrimônio Histórico da Humanidade pela UNESCO em 9 de julho de 2017 por ser o único vestígio material da chegada dos africanos escravizados nas Américas.
Sendo assim classificado como:
• Local de memória e sofrimento - como o Memorial de Hiroshima (Japão), e o Campo de Concentração de Auschwitz (Polônia).
A poucos quarteirões do cais, nos números 32, 34 e 36 da Rua Pedro Ernesto, em um casarão do século XVIII (mapa), está um cemitério onde milhares de escravos foram enterrados. Calcula-se que foram enterrados entre 20.000 e 30.000 pessoas. Este local de enterro de escravos substituiu o Largo de Santa Rita, situado em frente à Igreja de Santa Rita de Cássia, no Centro, onde, segundo os arquivos da igreja, a média de enterros foi superior a mil por ano.
Alguns relatos da época descrevem o cenário horripilante deste local:
“Dois negros conduzem o morto para a sepultura, em uma
padiola ou rede presa a comprida vara, atiram-no ao buraco, como a um cão
morto, põem um pouco de terra solta em cima e então, se por causa da pouco
profundidade da cova alguma parte do corpo fica descoberta, socam-na com
pesados tocos de madeira, de forma que acaba formando-se um horrível mingau de
terra, sangue e excrementos.” Carl Seidler - Dez anos no Brasil.
“O mordomo da Santa
Casa de Misericórdia, roga aos Srs que mandam escravos novos para o Cemitério,
examinem primeiramente se estão mortos. Porque tem se encontrado alguns ainda com
vida. – O Mordomo Joaquim José D’Oliveira Lima.” Diário do Rio de Janeiro –
12 de maio de 1829.
No mercado negreiro do Valongo, eram trazidos todos os escravos que chegavam de navio e eram denominados como Pretos Novos. Nessas viagens, uma porcentagem significativa de cativos morria devido às condições desumanas da travessia do Atlântico e eram enterrados dentro de barracões ou nos arredores do mercado.
“No meio deste espaço (de 50 braças) havia um monte de terra da qual, aqui e acolá, saíam restos de cadáveres descobertos pela chuva”. G. W. Freireyss (descrição do local feita pelo viajante alemão que foi testemunha ocular do cemitério).
Em 1830, o mercado foi fechado, em parte pelo inconveniente das atividades e pelo mau cheiro, que eram objeto de reclamações por parte dos moradores locais, e também como uma forma de as autoridades locais mostrarem, aos ingleses, que estavam respeitando o tratado de extinção do tráfico imposto pela Inglaterra e assinado em 1827. Na realidade, porém, a atividade só mudou de endereço. Este acontecimento deu origem a uma expressão usada no Brasil para indicar algo que é feito “de mentira”, só para manter as aparências; pois todos sabiam que tais regras não eram cumpridas e foram aprovadas só “para inglês ver”.
O achado arqueológico do Cemitério dos Pretos Novos ocorreu no dia 8 de janeiro de 1996, quando um casal reformava sua casa na área e se deparou com ossos e crânios. Após seis meses de escavação sistemática, foram encontradas 28 ossadas, com predomínio do sexo masculino entre 18 a 25 anos.
Em 2012, a fim de proteger os achados arqueológicos do local, foram instaladas pirâmides de vidro sobre as duas aberturas que deixam visíveis as ossadas dos escravos ali enterrados. Cinco anos depois, em 2017, o primeiro esqueleto inteiro foi encontrado no local. A ossada é de uma mulher, batizada de Josefina Bakhita, que morreu com aproximadamente 20 anos no início do século XIX.
Atualmente, o casarão funciona como centro cultural, cuja finalidade é resgatar a história da cultura africana na cidade através da divulgação cultural e artística.
No circulo Laranja - Região da Gamboa / no círculo azul - Cemitério dos Pretos Novos / no círculo em vermelho - Cais do Valongo / no círculo mais escuro - Antigo centro Praia do Peixe (praça 15) |
Assista os vídeos do canal Altas Histórias no Youtube e saiba mais desta parte de nossa história.
* Altas histórias – Escravidão - parte 2
Navio Negreiro - Poema de Castro Alves
Fontes:
Altas histórias - Youtube
atlas.fgv.br
brasildefato.com.br
diariodorio.com
educacao.globo.com
enciclopedia.itaucultural.org.br
monarquia.org.br
mundoeducacao.bol.uol.com.br
museunacional.ufrj.br
pretosnovos.com.br
unesco.org
wikipedia.org